sábado, 26 de setembro de 2015

Rafael na Villa Farnesina, quase um segredo em Roma


Foi no último dia em Roma, já de malas aviadas, que visitei um Palácio meio escondido numa ruela separada do Tibre por um alto aterro onde corre, louco de trânsito, o Lungotevere. Inevitável perguntar onde era a Villa Farnesina, claro, o GPS em Roma é só uma semi-utilidade: conduziu para meio da viela esconsa e o palácio era na metade anterior, sentido proibido. Isso soube eu à segunda tentativa, pois o primeiro romano a quem se pergunta nunca sabe (é uma Lei !). Dir-se-ia que o terreno abateu, tal é a sensação de estarmos numa cova; as ruas não têm passeios, e com os estacionados só há uma faixa circulável, que passa tangente às portas das mercearias. O último dos sítios onde encontrar frescos de Rafael, parecia. E contudo...


Já sabia ( eu informo-me !) que este era um dos raros palácios-museus abertos à segunda-feira. Aberto todos os dias do ano, aliás, menos os dois do costume. Passou-me pela cabeça que, tendo em conta o formigueiro de turistas em Roma , estariam aqui aos milhares. Nada. Ninguém. Até receei estar enganado e o museu fechado. Entrada modesta, uma mesa serve de balcão. Cinco euros. Cinco? Rafael, certo?


Entrada directa para a Loggia di Galatea, com o primeiro fresco - "Triunfo de Galatea" (1512).

Começa logo na beleza das portadas.


Do fresco mural, deixo detalhes:




Ficar calado é a melhor opção.

Segue-se a Loggia di Amore e Psiche.


Nesta sala, as pinturas da oficina de Rafael sobre a fábula de Psiché, de 1518, decoram o tecto; vale a pena mostrar detalhes:





Escadaria para o 1º andar, e a (famosa) Sala das Perspectivas:


Peruzzi, o arquitecto do palácio (~1506), é também o autor da decoração da grande sala; caprichou nos frescos "trompe l'oeil" em que utiliza colunas para dar uma forte ilusão de perspectiva, parecendo que as paisagens enquadradas por uma loggia são vistas realmente de uma varanda.




A Villa é renascentista, claro; construída em 1510 para um banqueiro de Siena, é relativamente sóbria e com um modesto jardim.

http://www.villafarnesina.it/?lang=en


E foi o adeus a Roma. A não ser que...


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Canopus: estrela, cidade egípcia e obra maior da Villa de Adriano


Na mitologia Grega, Canopus foi o piloto navegador do rei Menelau de Esparta durante as guerras de Tróia. De visita ao Egipto, morreu da mordedura de uma serpente, e foi homenageado com uma estátua junto ao mar, entre Alexandria e o delta do Nilo. Mais tarde, ali nasceria uma cidade que foi baptizada Canopus (*).


Porto importante da região, viria a ser, durante o Império Romano, um centro de produção de óleos e unguentos e local de prazer e diversão dos habitantes de Alexandria, a que Canopus estava ligada por um canal; lá existia também um famoso templo dedicado ao deus Serapis, uma invenção helenístico-egípcia do rei Ptolomeu I de Alexandria, que seria muito popular no Mediterrâneo sob domínio romano como deus propiciador de cura e boa saúde.

O nome Canopus foi atribuído também na antiguidade a uma estrela que, por acaso, não é visível da Grécia - mas já é, sim, do Egipto. É a segunda estrela do céu por ordem de magnitude, logo após Sírius.

Em 117 o muito viajado e culto imperador romano Adriano decidiu deixar Roma por um palácio enorme e ajardinado a construir em Tivoli (Tibur), uns 30 km a leste da capital. Entre 118 e 134, dirigiu a construção e foi replicando alguns modelos arquitectónicos que tinha visto nas suas viagens pelo Império; entre eles, a famosa piscina rodeada de um peristilo decorado com estátuas inspirada num templo famoso de Canopus, o Serapeum (dedicado a Serapis).

A Villa Adriana nasceu na terceira década do séc II. Toda a corte acompanhava Adriano no seu retiro, além de uma multidão de serventes, esses em residência permanente nos subterrâneos.

Percurso a pé desde a entrada até à Villa.

As primeiras paredes.

O Império era governado a partir da Villa por um serviço postal. Mas Adriano, adoentado, só habitaria este paraíso nos seus últimos quatro anos de vida (134-138 D.C.); depois dele, Marco Aurélio, Septímio Severo e Caracalla utilizaram também a Villa mas em regime temporário. E Zenobia, a raínha deposta da bela Palmyra, deve lá ter vivido nos fins do século III.

Sala dos pilares dóricos


Mosaicos do Hospital



A piscina e gruta denominadas Canopus e Serapeum, construídos antes de 132 D.C., tornaram-se desde início a atracção maior dos visitantes; a arquitectura é basicamente grega - colunas coríntias formando peristilo alternam com cópias de estátuas gregas - Hermes, Ares, Cariátides. O conjunto é de uma beleza genial e agora convida mais à contemplação do que à vida cortesã 'devassada'. O tempo apaga as feiuras, e sobra a elegância clássica entre cedros e pinheiros.

Quem leu Yourcenar percebe a minha teima em visitar a Villa, e a sua obra máxima, o Canopus :


Deis gratias ago, quase ninguém !

O rio Tibre, divindade fluvial. Canopus é o culto da água.

Ares (Marte).

Hermes , à esquerda.

Marte e uma Amazona.

O topo redondo a poente do espelho de água.

Cariátides.




Cenário de grandes recepções, entre banhos, massagens e banquetes, o Canopus obedece a uma situação privilegiada: protegido dos ventos pela colina a nordeste onde recebia o sol da tarde, soalheiro de manhã no lado sudeste, feérico à noite sob a iluminação dos archotes e com os reflexos da água nos mosaicos que cobriam o Serapeum, deve ter sido o luxo máximo da época que Adriano oferecia, a si e aos convidados.

As seis Cariátides no lado Sul.


Uma das teses sobre esta obra defende que reprenta o rio Nilo, e não apenas o canal de Alexandria.



Todas as estátuas são cópias de originais gregos; estas e outras estão do interior do Museu local.


Uma tarde há muito desejada !


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Quando penso que este é o mesmo Adriano, de curto reinado, que fez construir e visitou (122 D.C.) a muralha na Escócia, e em 131 D.C. esteve em visita de Estado a Palmyra na Síria, tenho vertigens histórico-geográficas. Numa época de lenta e difícil mobilidade, só a um homem extraordinário seria possível projectar-se em poucos anos numa extensão de espaço e tempo tão imensa.

Além da obrigatória leitura de 'Memórias de Adriano', há um nunca acabar de páginas sobre a Villa e o Canopus. Por exemplo, estes dois :
1. http://web.mit.edu/course/21/21h.405/www/hadrian/Hadrian's%20Villa/index.html
2. http://www.wikiwand.com/fr/Villa_d'Hadrien


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(*) Perto da actual Abu Qir (ou Aboukir), já se encontraram ruínas e espólio submerso de Canopus e do Serapeum:
      http://moco-choco.com/2012/10/08/sunken-civilizations-part-4canopus-egypt/

Nota: o chamado Teatro Marítimo, também belíssimo, a Casa dos Filósofos e outras partes da Villa estavam em obras de reabilitação, suponho que para o Jubileu que aí vem, e a visita era interdita. Azares.




domingo, 20 de setembro de 2015

Uma Basílica bizantina em Trastevere, Roma.


Seria precisa uma longa estada em Roma para se conhecer todas as suas igrejas - românicas, bizantinas, renascentistas, barrocas, neoclássicas, neogóticas (!)... não é a minha especialidade, igrejas, mas aprecio laicamente a beleza da arquitectura e da decoração, tudo historicamente enquadrado.

Vaticano à parte, visitei umas cinco; a que mais linda me pareceu foi a de Santa Maria de Trastevere, na Piazza do mesmo nome, onde o chão e os degraus mal se vêem com tanta gente tarde e noite (lugar 'in' da boémia romana). É preciso um domingo quente, de manhã, antes da abertura de bares e restaurantes, para se conseguir ter algum sossego cá fora; já lá dentro, na igreja, o silêncio dos poucos visitantes é um bálsamo.


O painel de mosaicos sob o frontão, protegido por um beiral avançado, faz a diferença na fachada pré-românica; ao centro, a 'Madonna col Bambino'.

Há quem diga que, sob o Papa Júlio I (séc. IV), esta foi a primeira igreja da Roma paleocristã aberta ao culto cristão.

A estrutura mais antiga (chão e paredes) data de 340 DC, mas a construção e decoração atravessam o período românico e bizantino até 1143 (quando na Ibéria nascia um país ainda tosco). A campanile romanesca é do séc XII, a maior parte da decoração (e destacadamente a ábside) em mosaico bizantino é do séc. XIII, e chegou até nós no original embora com restauros.


Curiosamente, as 21 colunas Iónicas e Coríntias alinhadas a separar as três naves provêm (talvez !) ... dos banhos de Caracalla ! Há quem as diga de mais longe, do Egipto. São 11 de uma lado, 10 do outro, a diferença ocupada pela entrada para a torre.
Os mosaicos da concha da ábside foram colocados em 1140, por ordem de Inocêncio II.

Cristo e Maria sentados no mesmo trono enquanto Inocêncio II lhes apresenta um modelo da basílica.

Os melhores painéis de mosaicos são de Pietro Cavallini (séc. XIII)


O pavimento cosmatesco (ao estilo dos marmoristas romanos "cosmati") é típico da Roma medieval, num estilo importado de Bizâncio e que mais tarde viria a ser espalhado por toda a Europa.






Saindo para a luz do meio dia, a praça ainda sonolenta deixa ver a fonte, e mostra os ocres das fachadas e as janelas de portada persiana.





Noite avançada na Piazza:




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Mais:
http://romanchurches.wikia.com/wiki/Santa_Maria_in_Trastevere
http://www.tesoridiroma.net/chiese_medioevo/santa_maria_trastevere.html