sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Uma 'Lágrima' comovente por Tatyana Ryzhkova


Quando eu 'tocava' guitarra, uma das peças que conseguia levar até ao fim era esta 'Lágrima' de Tárrega. 16 compassos, curtinha mas muito linda:

Génio numa só folha de pauta. Composta cerca de 1890.

Fiquei com enorme saudade desses tempos ao ouvir esta superlativa interpretação de Tatyana Ryzhkova, longe, muito longe acima do que eu era capaz. Nem Julian Bream, que era a referência, conseguia este milagre de perfeição. Publicada agora, anteontem melhor dizendo.



quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Guimarães Jazz 2016, + Baldych & Lien Trio


Este ano o 'GuiJazz' traz no último dia dois concertos que prometem valer a pena:

Sábado 19 de Novembro

Pequeno Auditório / 17h00
Adam Bałdych & Helge Lien Trio, “Bridges

Grande Auditório / 22h00
Charlie Haden´s Liberation Music Orchestra
Com direcção de Carla Bley



http://www.ccvf.pt/

Gosto dos Adam Baldych & Helge Lien; "Dreamer" tem um alegre som celta, norte-da-Europa cool, que me agrada.



E este muito soft "Karina", com o violino em crescente ? 




Lá estarei.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Que horrível, ser alguém ! Que público, como um sapo...


I'm nobody ! Who are you ?
Are you nobody, too ?
Then there's a pair of us -- don't tell !
They 'd banish us, you know. 

How dreary to be somebody!
How public, like a frog
To tell your name the livelong day 
To an admiring bog !


Emily Dickinson

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Passeio de barco em Bruges


O retorno a Bruges não teve o mesmo impacto que a redescoberta de Gand. À parte a multidão e o número de lojas de chocolate artesanal que se multiplicaram, está na mesma, uma pequena jóia medievo-renascentista, com as suas frontarias de empena triangular em degraus, as muitas igrejas e museus, e os seus recantos pitorescos com ponte sobre o canal e vista da torre emblemática - o campanário cívico do Beffroi. A única novidade para mim foi ter dado a voltinha de barco que quase todos dão mas, da primeira vez, foi impossível devido ás filas. Em Setembro, às 17.30, já muita gente se tinha retirado e a entrada no barco foi directa. Wollestraat Brug (1357), mesmo ao lado do S. João Nepomuceno.


Canal Dijver - Oud SintJanshospitaal

Uma Loggia sobe o Dijver !

A história de Bruges como cidade importante começa depois das razias dos Vikings, pelo ano 1000, quando se torna cidade portuária. Contrói-se a muralha e o sistema de canais; sucedem-se os Condes a ocupar o Castelo; em 1114 uma maré violenta abre o canal Zwim ao Mar do Norte, e Bruges passa a ser acessível aos navios mercantis da Liga Hanseática pelo canal de Damme.



Minnewater, um reservatório (para além da lenda).


Génova, Veneza, Florença, Castela, Portugal e até a Escócia também abrem uma rota regular e os seus navios são visita frequente em Bruges. Começa a "guerra económica" das especiarias, dos tecidos, e a competição bancária ! Com o capitalismo em fulgurante ascensão, os séculos XII-XV são o apogeu de Bruges.


Mas no século XV o Zwim volta a assorear... o acesso ao mar é fechado, Bruges decai e já é uma vila pobre de província quando fica sob domínio espanhol.


Ponte atrás de ponte...



Estátua de Van Eyck, de costas.

De frente:
Vê-se uma Madonna encastrada na esquina a esquerda.

Regresso:

Muitas casas de Bruges têm a sua Madonna con Bambino, testemunho da forte presença italiana a partir do século XIV.


De novo, parecem as Cidades de Calvino: canais, pontes, janelas, jardins, estátuas...

Uma preciosidade. Só visto, ou pintado...



O postal mais visto.


Depois, fui ver a Madonna de Michelangelo.


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A nona de Mahler na Casa da Música


Passados seis anos do início da integral, a Orquestra do Porto / CdM programou finalmente a 9ª sinfonia de Mahler. É uma obra gigantesca, desvairada, estrondosa e de um lirismo absolutamente genial, um monumento em música para nos deixar entre o esmagadinho e o boquiaberto.


Mahler descreveu a execução da 9ª com expressões como "sombrio", "com a máxima violência", "com raiva", "como uma procissão", "docemente cantado", "apaixonadamente", "levitando", "morrendo". Sobretudo "morrendo", muito repetido na pauta. Quando a compôs, estava muito doente e desesperado com problemas - morte da filha, desavenças coma esposa, má vontade das instituições de Viena que lhe faziam a vida cada vez mais difícil. Sentia que o fim estava perto.

Nesta sexta-feira foi o estoniano Olari Elts quem dirigiu; já o tinha ouvido e apreciado, não podia perder este concerto; e foi mesmo imperdível, Elts tirou o máximo que a orquestra pode dar, sobre-dimensionada para cumprir as indicações de Mahler. O som foi muito potente, cheio, doce quando era caso disso, equilibrado e sedoso. No final, os pianíssimos executados com grande expressividade, fazendo perdurar os finos filamentos das cordas suspensos no espaço da sala. "Levitando". Mas também as quase cacofonias fragmentárias do 2º andamento ("desajeitado e muito grosseiro") soaram excitantes de dinâmica e contrastes, com a orquestra toda solicitada num ritmo diabólico.


Enfim, a 9ª é o adeus de Mahler, os últimos compassos parecem esvanecer-se lentamente na distância e no tempo como se fossem uma despedida. Que volte sempre.

Deixo Karajan no adeus final:




sábado, 17 de setembro de 2016

Gand (Gent), a gloriosa Manhattan medieval flamenga


Tenho de decidir: Gent, Ghent ou Gand ? pois será Gand, que a língua francesa é bem mais bonita que o arranhado neerlandês de Flandres. 'Gante', versão dita portuguesa, é muito feio. De qualquer modo, a etimologia é gaulesa, de Condate (=confluência), acentuada em 'Con', e não de origem germânico-flamenga. Gand fica na confluência do rio Lys (Leie) com  o Escaut (Schelde).

Cheguei a uma sexta-feira e o fim de semana foi mau. Suja, e com estaleiros e obras por toda a cidade - incluindo junto à ponte St. Michiels, na catedral, no cais Graslei -, apinhada de turistas que deixam rasto de papéis e garrafas, a primeira impressão foi de uma cidade em catástrofe, nada da bela Gand limpa, sossegada e ordeira que tinha conhecido em 1994... Como as cidades mudam !

Durante a semana, a invasão foi mais reduzida e as ruas limpas. Menos mal. Pouco a pouco Gand foi abrindo recantos de beleza que não tinha observado na primeira visita. Mas primeiro a sala de visitas:

À hora certa, com a luz certa, Gand é gloriosa. Korenlei à esquerda, Graslei à direita, castelo dos Condes de Flandres ao fundo: a vista da ponte de S. Miguel sobre o rio Lys é uma das mais românticas da Europa, a lembrar Praga.

Korenlei, a Rua do Trigo, talvez o mais bonito dos cais do rio Lys. Esplanadas a mais.

Do outro lado do rio, em frente, fica Graslei, a Rua das Ervas; era aqui o antigo porto medieval, que fui encontrar parcialmente 'escondido' com obras, andaimes e guindastes, e pejado de guarda-sóis. Era assim, quando o vi em 1991:

As casas relacionadas com o comércio portuário (de 1200 a 1600): o Armazém de Grão, ao centro (séc. XIII), depois o pequenito Posto Fiscal, a seguir a Casa dos Pesadores de Grão (1435) com o "Big Ben" por trás, e a linda Guilda dos Barqueiros Livres à direita.

Desta vez fotografei detalhes:

A casinha fiscal onde Gand cobrava as taxas portuárias e alfandegárias.

Casa da Guilda dos Barqueiros Livres (Francs-Bateliers).

Muito ornamentada renascença flamenga, de 1531.

O emblema dos Barqueiros sobre o portão.

Gand não deixou de ser cidade portuária: actualmente o porto fica a Norte da cidade, comunicando com o mar por um canal de 32 km, construído no século XIX, cujos 200 m de largura permitem a navegação até ao porto e Terneuzen, no Mar do Norte.

Mas neste regresso dei mais tempo a outros atractivos: a zona residencial e boémia de Prinsenhof, as béguinages, o núcleo histórico de Patershol, e deambular à noite pelos cais do rio Lys, para um último café. E já não fui rever os Van Eyck que não aprecio por aí além. Preferi "viver" as ruas e as vias de água. A vida de Gand desenrolou-se sempre à volta dos rios e dos canais, até o Castelo dos Condes lá foi edificado:

O castelo dos Condes de Flandres, Gravensteen, uma as "top-attractions", mas de facto uma arquitectura única que vale a visita.

E também o Mercado do peixe:

Agora funcionam no edifício um restaurante e o Posto de Turismo.

Um dos mais pitorescos recantos da cidade.

Foi assim junto à água que Gand cresceu quando era porto de mar (Portus Ganda), quando a indústria dos tecidos e da cerveja - chegou a haver umas centenas de destilarias - transformou a cidade num inferno tal que foi baptizada por um médico inglês como a "Manchester do continente": cheiro nauseabundo, fumo irrespirável, o rio transformado em esgoto...

E é assim agora pela monumentalidade da frente urbana à volta dos cais fluviais. A verdade é que, também pelo passado industrial de grande urbe nos séculos XIX-XX, Gand tem um carácter que me agrada ainda mais que a pitoresca, bonita, pequena Bruges.


A réplica do 'Big Ben' foi construída pelos ingleses em 1913 para uma Exposição Mundial.


A Manhattan da Flandres

"One of the finest views of a medieval skyline in the whole of Europe", escreveu um visitante.


O piloto do barco turístico usou a expressão "Manhattan da Flandres", certamente repetida dezenas de vezes por dia. Mas faz algum sentido: o perfil das torres e agulhas góticas vistas da ponte Sint-Michiels permite a alusão. E é muito melhor assemelhar-se a Manhattan que a Manchester !

É indispensável o passeio de barco, que não tinha feito há anos e agora me deu uma visão mais adequada das várias fases que a cidade viveu.


Passeio de barco

O embarcadouro é em Korenlei, não há fila, parte em 5 minutos.

Predikherenlei, rua dos Pregadores, um ponto de encontro e de descanso. Detalhe:

Fachada neo-gótica do antigo posto dos Correios.

O que faz uma cidade: pontes, canais, barcos, torres, janelas, esplanadas... parece um conto das Cidades de Italo Calvino !

Também qualquer coisa de Veneza, claro.

Dolce far niente, em Gent. 




A florescente indústria de panos deixou uma herança marcante. Enquanto Bruges vive de um turismo de lojinhas de chocolate aos milhares, Gand trabalha e estuda, tem uma dimensão culta e cosmopolita, mais moderna para o bem e para o mal; ser cidade universitária ajuda muito.

Cá está o passado industrial, fonte de ar sufocante e água pestilenta.


O Rabot (1491), a Porta fortificada que resta da muralha que protegeu a cidade. Servia também de fecho para canal Lieve, em tempo de cheias.


O quarteirão Prinsenhof

Pontes é o que não falta, canais obrigam.

Perto do Rabot fica o bairro de Prinsenhof, tal como a antiga Béguinage de que já dei notícia.

É uma área muito tranquila de ruas pedonais ou de trânsito reduzido, onde uma vez por ano acontece uma feira da ladra, a Portobello local, com jazz ao vivo e uma multidão de Gantenses (?) a gozar o sol do domingo.



Sint-Antoniuskaai, 'far from the madding crowd' mas ainda no coração da cidade.

Voltando ao centro: estas são duas das casas mais bonitas de Gand, com a tradicional empena triangular (rococó) de frente para a rua, em Patershol.


Anno 1669.




Também a Arte Nova tem os seus bons exemplares:



Finalmente, as vistas do alto - uma do Beffroi / Belfort , outra do Castelo:





Adorei reviver Gand. É uma festa arquitectónica para os olhos. Cidades assim preenchem a pulsão urbana que sempre tive, mas não sei se gostaria de lá viver, talvez não, agitação a mais. Para viver prefiro cidades como Bath, de beleza mais sóbria e elegante, mais acolhedora como um berço. Ou Ravenna.

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A seguir, Gand à noite - um dos poucos sítios urbanos do mundo onde é um prazer tranquilo desfrutar a cidade a partir do sol posto.