terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Utopia ártica:
Tiniteqilaaq, minúscula aldeia na costa leste da Gronelândia.


Nesta quadra fria e branca, costumo publicar aqui um ou outro post alusivo ao alto Ártico, alguma povoação perdida em beleza no meio do deserto gelado. Pois cá vai, como prenda de Inverno.

A quase 66º N, praticamente sobre o Círculo Polar, esta aldeiazita chamada Tiniteqilaaq sobrevive não se sabe como no ponto extremo de um fiorde interior, cercada de ilhas brancas e braços de mar gelado. Só se lá chega de helicóptero (excepto no  curto verão que permite navegação) ou muito raramente de trenó. Exemplos de resiliência destes há mais alguns, mas Tiniteqilaaq merece um prémio de isolamento, 'remotidade' (*) e adversidade climática.


A região de Ammassalik deve ter as mais espantosas paisagens de toda a costa leste da Gronelândia. Os fiordes de Ammassalik e Sermilik, e as pequenas 'cidades' coloridas como Tasiilaq(1), Kulusuk(2) e Kuummiut, compõem cenários espantosos e irreais. Estão no topo da lista da minha próxima reencarnação ,)


Tiniteqilaaq é a mais pequena e interior aldeia do fiorde de Sermilik, quase inacessível por terra e por mar. Só no Verão ártico fica aberto um canal de navegação para a costa.

A rota marítima pelos fiordes para Kulusuk só é navegável na estação quente.

Tiniteqilaaq - ou só 'Tinit' - fica 40 km a Norte de Tasiilaq (a principal cidade da região, com pouco mais de 2000 hab.). Situada num plano elevado em suave encosta  para as águas do fiorde, disfruta de vistas únicas nesta latitude - 65º N fica praticamente sobre o Círculo Polar.



Uma mão cheia das pequenas moradias em madeira, vindas da Dinamarca, de cores variadas e empoleiradas no declive branco, parecem dispostas ao acaso.

As mais modernas são construídas com parede dupla e um eficaz isolamento térmico.

Tiniteqilaaq (=Tiilerilaaq)
Coordenadas: 65 ° 53' N, 37 ° 46' W.
População : 150 - 200


A luz e a neve, o sol e a superfície tranquila das águas pejadas de icebergs, tudo parece jogar constantes partidas como se um pintor estivesse a ensaiar aguarelas. As cabanas são apenas mais um elemento estético.

Por estranho que pareça, há gente de outras paragens que escolhe viver aqui. Franceses, por exemplo.


Com a neve e as ventanias, as cores da tinta vão-se. Não é difícil imaginar como deve ser caro comprar tinta nova, que tem de ser de qualidade especial.


Os habitantes - de maioria Inuit - vivem ainda da caça e pesca tradicional. Os jovens actualmente abandonam a aldeia por paragens mais animadas.


Uma melhoria recente e bem recebida foi uma loja da cadeia Pilersuisoq, que oferece alguma variedade de roupas, equipamento de caça e pesca e alimentação.

No gelo duro os esquis dos trenós facilitam o transporte.


O Kalaaleq, sede da administração local.
O Kalaaleq é o principal edifício da aldeia e serve também como jardim infantil para 12 crianças; de tarde tem passatempos e actividades, como as danças tradicionais ou contadores de histórias. Tiniteqilaaq dispõe ainda de uma pequena escola e de uma cabana para alojamento temporário.



O assustador isolamento é minorado pelo serviço regular de helicóptero a partir de Tasiilaq, que só fica em terra com tempestade ou vento catabático. No Verão o abastecimento é mais fácil pelo MS Johanna Kristina, uma vez por semana.


Outra possibilidade ainda é o aeroporto de Kulusuk, a 42 km, que se podem percorrer de trenó ou snowmobile durante o inverno, quando as águas dos fiordes congelam. São uns dois dias de viagem.

Quando o sol aquece um poucochinho.



O fiorde Sermilik


O Sermilik, com 85 km de fundo e largura máxima de 14 km, é alimentado pelo sul da compacta capa de gelo da Gronelândia, de onde escorrem dezenas de glaciares, sendo o principal o grande glaciar Helheim.

A vasta bacia glaciar do Helheim


Degelo no fiorde.

A imensa massa de gelo que os glaciares despejam continuamente no Sermilik torna complicada a navegação, mesmo para os kayakes de pesca.


No Verão, chegam visitantes de toda a parte para ver as baleias e os narvais nas águas calmas do fiorde. O turismo tem vindo a crescer e é a única nova fonte de rendimentos.



Nesses meses, também a natureza fica mais colorida com pequena plantas de flor e frutos de baga.


Camarinha azul, uma importante fonte de vitaminas.

Uma gulodice de Ammassalik: creme de baunilha com macarons e bagas azuis. Não é só foca hoje, foca amanhã.

Onde isolamento se faz sentir com violência é nas altas taxas de suicídio entre os jovens inuit. É um fenómenos estranho, ainda mal explicado, que costuma ser mais frequente na Primavera com o regresso do Sol. Talvez porque vêem na TV a vida social mais a Sul (praias, turismo, noites divertidas, telemóveis), talvez porque ficam desorientados entre a tradição de caçadores dos antepassados e o modo de vida de hoje. Mas porquê só os rapazes ?


E porquê, com toda esta sublime beleza ? Pelo menos vista daqui, à distância...

A ver o Helheim das alturas.

"Midnatssol"

A loja Pilersuisoq à esquerda, também sob o sol da meia noite.



O mais intrigante, ou estranho, é que, em termos geopolíticos, Tiniteqilaaq está na Europa.
Ich bin ein...


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Consulta principal:
Adventures of a Polarphile
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(1)(2) Mais sobre Tasiilaq e Kulusuk aqui
(*) não é neologismo, a palavra existe em bom português.


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