sábado, 1 de abril de 2017

Um livro precioso:
'The Global City - On the Streets of Renaissance Lisbon'


Não fui nem conseguirei ir ver a exposição do MNAA - Lisboa Cidade Global - e para compensar encomendei o livro em que ela se baseou:


A descrição praticamente inédita da Lisboa renascentsta e a farta documentação de quadros, peças artísticas e mapas tornam o livro um regalo de leitura e futura consulta.

A Rua Nova dos Mercadores era no século XVI a rua nobre de Lisboa - limpa, bem pavimentada, rectilínea e larga, com um passeio corrido em galeria coberta onde se alinhavam lojas de tudo o que era trazido nos barcos - porcelanas, sedas e têxteis finos, cofres de madeira embutida, peças em madrepérola, marfins, pássaros exóticos, especiarias, mapas e livros ... "Podíamos levar para casa, se tivéssemos muito dinheiro, um papagaio ou um tucano do Brasil, marfins da Serra Leoa e livros de botânica..."

Vista da Rua Nova dos Mercadores (anónimo flamengo, 1570-1619), um dos quadros de autenticidade polémica que estiveram na base de todo este trabalho. Mesmo apócrifos dão um retrato interessante da vida lisboeta no séc. XVI.

As casas eram altas e muito estreitas, pouco abertas à luz. No rés-do-chão ficavam as lojas, por cima os apartamentos eram acanhados mas luxuosamente mobilados e decorados.

Os cidadãos e negociantes vestidos de capas negras, os escravos negros é que dão colorido com roupas vistosas.

Na rua vêem-se muitos africanos: uns em trabalho, a acartar água e outras cargas; outros a dançar e a tocar, ou actuando como saltimbancos; outros ainda já promovidos socialmente, a cavalo, talvez ricos... A Rua do Ouro e a Rua da Prata estavam ali mesmo ao lado. Os mercados de escravos também.

Cena de regateio de quê? Preço, qualidade? Juros? Parece ser inverno, pelas capas pesadas e gorros.

Os mercadores eram na maioria Flamengos da Liga Hanseática e Alemães do norte, mas havia também Judeus e Indianos; as empresas, de mão de obra escrava, e os bancos estavam na mão de Judeus.

Africana livre a vender fruta - bem alimentada e garrida ?!

Menos sorte parece ter o aguadeiro (?) também negro, acorrentado.

Vista da Rua Nova dos Mercadores (1517-30), aguarela miniatura do Livro de Horas de D. Manuel I (detalhe).

Nesta gravura de c. 1565 (Colónia), vê-se a Rua Nova por trás do Terreiro do Paço (linha a vermelho, nº 13). Localização óptima para receber as descargas dos navios - do palácio real via-se o movimento do Porto e os mercadores apressados a receber as preciosas cargas.

Alguns objectos da época, do género que muito provavelmente se encontravam nas lojas ou decoravam casa de mercadores ricos:

Dedal de ouro, com rubis e safiras, Ceilão, 2ª metade do séc XVI.

Porcelanas chinesas, 1622-1722.


Cofre em filigrana de ouro.

Conjunto de mesa em madrepérola.

A Rua Nova dos Mercadores era um grande centro do comércio, mesmo à escala europeia. Mas o que mais a distinguia era a proveniência de produtos e de gentes: africanos, asiáticos (indianos, malaios, chineses) e brasileiros.

Aguardemos a investigação sobre as pinturas que estão agora a agitar águas entre os historiadores de Arte: o quadro que o pintor Dante Gabriel Rossetti terá comprado em 1886, Vista da Rua Nova dos Mercadores, em Londres; e Chafariz d'El Rei, que já no final dos anos 1990 gerara controvérsia quando foi adquirido num antiquário de Madrid, e que nem sequer aqui publico por o achar feio, mal executado, com todo o ar de um falso (mau) do século XIX ou XX. Nada disso afecta o extraordinário livro de Annemarie Jordan e Kate Lowe, nem a exposição do MNAA que certamente merece a visita (termina dia 9).

Princess of the Seas, Queen of Empire: va(n)idades.


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