quinta-feira, 29 de junho de 2017

A poesia das flores no Botânico do Porto


Flor que não dura 
Mais do que a sombra dum momento 
Tua frescura 
Persiste no meu pensamento.

                      Fernando Pessoa


O Jardim Botânico do Porto continua a ser um dos seus segredos mais bem guardados, felizmente. Poucos visitantes, ainda menos turistas. Um espaço de paraíso muito mais íntimo que os jardins do Palácio ou o Parque da Cidade, e mais ainda enquanto a cafetaria está fechada.

Desta vez, num domingo calmo, ameno, semi-encoberto, fui lá por uma escassa meia hora, mas andei deliciado com o colorido dos muitos canteiros de flores. Rosas, dálias (ou crisântemos?), cravos, margaridas, e outras que não reconheço pelo nome. A paleta de cores era um regalo.

Agora calo-me, fala a poesia das flores.





















Después de un tiempo, uno aprende (...) a plantar su propio jardín y decorar su propia alma, en lugar de esperar a que alguien le traiga flores.

Jorge Luis Borges

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Nota - este post também pode ser visto de baixo para cima ;)

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Pequenas aguarelas de viagens passadas


'Long ago it must be
I have a photograph
Preserve your memories
They're all that's left you.'


Uma das memórias que procuro de lugares que visito são aguarelas de artistas locais, encontradas na rua ou no atelier. Ou mesmo mais tarde noutras paragens.

Foi na segunda visita a Florença que trouxe este lindo postal toscano:


Era um pintor 'de rua' , junto à ponte sobre o Arno; é uma miniatura, mas retrata tão bem a paisagem da Toscânia autêntica ! Um dos favoritos.

Da Bretanha trouxe uma aguarela que respira mar - foi em Locronan, no estúdio do pintor Alain Couadou. Talvez aqui não pareça,mas é uma jóia de aguarela, muito bem composta, e transmite as sensações da costa bretã mais bravia.


Bolonha é a terra de Morandi; de lá veio esta aguarela ao estilo desse pintor modernista único:



Mais recente foi a estada em Gand; foi numa feira de velharias que encontrei estes quadrinhos, quatro euros o conjunto.



De Londres veio esta magnífica aguarela, de uma loja de usados. Tem uma mancha que tanto pode ser um detalhe feio como uma prova de patine... mas o desenho e a cor são magníficos; o autor é o aguarelista Mads Stage.


St. Andrews and St. Paul's, Mads Stage

De Veneza trouxe não uma aguarela, mas um gobelin muito bem executado, no estilo flamengo.



Nada disto tem valor a não ser o de memória e do lugar que conquistou aqui em casa. Só, e já é muito.


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Escuridão, segundo Alistair MacLean


Uma das minhas leituras de Verão é o regresso ao clássico de aventura no mar (ou no gelo) com crime incluído que é a 'receita' de Alistair MacLean, se é permitido falar de receita àcerca de quem escreve tão bem. O escocês Alasdair MacGill-Eain bem merecia um Nobel ( ou se calhar não...) pela quantidade de livros fantásticos, humor refinado, língua inglesa trabalhada com grande invenção e mestria: Os Canhões de Navarone, Ice Station Zebra (obra prima), When Eight Bells Toll, Where Eagles Dare, Bear Island... 

Muitos deram grandes produções cinematográficas, mas nos filmes só resta o enredo (adaptado!); a língua inglesa, os diálogos intrincados e cheios de inuendos, as descrições, a vasta cultura de MacLean têm de ser lidas, e no original.

Depois de um início caótico, quase indecifrável, entrei em velocidade de cruzeiro no "When Eight Bells Toll" (trad. "Quando os Oito Sinos Tocam"); mete espionagem, tráfico, corrupção, barcos criminosamente afundados, um grego residente no seu iate que lembra o Rastapopoulos de Tintin e o seu 'Shéhérazade' - podre de rico, velho casado com jovem actriz mundana depois da primeira mulher misteriosamente morta, recepções de gente da alta a bordo com muito álcool a rodar. Tudo nas belas Hébridas, ao largo de Oban, na Escócia profunda. Parece James Bond ? Talvez, mas muito mais bem escrito.

A ameaça mortal surge logo de chofre :

"Very slowly, very steadily, I raised both hands, palms outward, until they were level with my shoulders. The careful deliberation was so that the nervously inclined wouldn't be deceived into thinking that I was contemplating anything ridiculous, like resistance. It was probably a pretty superfluous precaution as the man behind that immobile pistol didn't seem to have any nerves and the last thought I had in my head was that of resistance. The sun was long down but the faint red after-glow of sunset still loomed on the north-west horizon and I was perfectly silhouetted against it through the cabin doorway."

O capítulo 4 arranca assim:

"As the saying goes in those parts, it was as black as the earl of hell's waistcoat. The sky was black, the woods were black, and the icy heavy driving rain reduced what little visibility there was to just nothing at all. The only way to locate a tree was to walk straight into it, the only way to locate a dip in the ground was to fall into it."

Um escuro bem pintado. Nenhuma foto ou pintura conseguia tal...

A escuridão é recorrente, pouco adiante durante um voo de helicóptero à procura de abrigos de barcos na costa oeste, avista-se um 'loch'.

"It looked dark and deadly and dangerous. The shores were black and rocky and precipitous and devoid of any form of vegetation at all. The four islands strung out in a line to the east were a splendid match for the hospitable appearance of the shores. In the far distance the northern and the southern shores of the loch came close together and vanished in a towering vertical cleft in the sinister brooding mountains. In the lee of the islands the loch was black as midnight but elsewhere it was a seething boiling white, the waters wickedly swirling, churning, spinning in evil-looking whirlpools as it passed across overfalls or forced its way through the narrow channels between the islands or between the islands and the shore. Water in torment. In the Beul nan Uarnh * — the mouth of the grave — between the first two islands the rushing leaping milk-white waters looked like floodwater in the Mackenzie river rapids in springtime, when the snows melt."

O filme, dizem, foi um flop; mas com Anthony Hopkins (muito jovem) no papel principal, com a sua dicção, fleuma e olho azul, sinto-me tentado a mandar vir ;)

Contracena com quem ?


Ena !

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* gaélico, mouth of the grave

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Jardim, Música, Etimologias, Xadrez, Stevenson, e outras salvações do mundo segundo Borges


Los Justos

Un hombre que cultiva su jardín, como quería Voltaire.
El que agradece que en la tierra haya música.
El que descubre con placer una etimología. 
Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.
El ceramista que premedita un color y una forma.
El tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada.
Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.
El que acaricia a un animal dormido.
El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.
El que agradece que en la tierra haya Stevenson.
El que prefiere que los otros tengan razón.
Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.


Jorge Luís Borges, "La cifra".
Obras completas II, Buenos Aires, 1989


terça-feira, 13 de junho de 2017

Merton College, o mais antigo e prestigiado, em visita guiada


Se Oxford é (alegadamente...) a melhor Universidade do mundo, e o Merton College é o melhor de Oxford, este é então o top of the tops do ensino universitário no planeta.

Nasceu em 1264. A Universidade de Lisboa / Coimbra seria em (1290) / 1537.

A parte mais nobre e antiga do colégio: o Hall, à esquerda; os aposentos por cima do arco eram destinados a hóspedes convidados; o grande janelão arredondado em múltiplos painéis do 1º andar é de uma sala de conferências, também chamada "sala do tradutor" (translator's room).

Sempre entre os três melhores, muitas vezes no topo, o Merton College é (alegadamente, de novo) o mais antigo (1264) da cidade universitária. Nota-se nas paredes, gastas e encardidas, nos telhados, a precisar de restauro, nos interiores austeros. Consta também que aqui se trabalha mais e se brinca menos; noutros colégios vi os relvados cheios de alunos com livros com auriculares, portáteis e telemóveis, em grupos com ar de quem está divertido mesmo a estudar:

'Quad' relvado do Brasenose College

Mas no Merton, imagino os alunos todos nos gabinetes de cursos, em geral pouco numerosos, a ser 'torturados' por docentes severos e exigentes. Ou não - os cursos são mais à base de debates e apresentações em gabinete, assim o Merton produziu gente como Tolkien e T.S Eliot (professor de literatura inglesa entre 1945 e 59), vários prémio Nobel (Física, Química, Medicina. Literatura), o matemático Andrew Wiles que conseguiu provar o último Teorema de Fermat. O aluno famoso mais antigo foi William of Ockham (Guilherme de Ockham, o da navalha), grande pensador e teólogo medieval.

Plano de Merton College (parte velha).

A Merton Street é uma rua estreita, pedonal e calçada a pedra.

O portal de entrada ("Lodge gatehouse") é do séc. XV; reinava Henrique V, que legislou permitindo a construção da torre que controla o acesso.

Nem todas estas fotos são minhas - havia zonas de acesso interdito ao público. Mesmo assim foi um gosto intenso conseguir, pela primeira vez, palmilhar esta jóia da História.

O pátio de entrada ('Front Quad'), irregular, sem jardim, ainda não obedece ao modelo rectangular que viria a ser regra.

O Merton College foi desde início totalmente autónomo dentro da Universidade, concebido como uma comunidade que trabalha para realizações académicas mais do que um local de alojamento de estudantes. Fundado em 1264 por Walter de Merton, Chancellor de Inglaterra, mais tarde bispo de Rochester, começou por admitir apenas 20 alunos (fellows).

Entrada para o moderno auditório T. S. Eliot, no Front Quad. Janelas múltiplas, gradeadas e divididas por mainéis em pedra, são norma em todos os edifícios.

O Salão (Hall) e a Capela foram completados ainda no séc. XIII. A seguir, o Mob Quad, o quadrãngulo mais antigo, foi terminado em 1378, mas a Biblioteca já estava pronta em 1373.

A Capela


A grande janela do lado nascente, c. 1295, com armas de Henrique III, um belo trabalho do gótico inglês.


Os trabalhos de construção da capela começaram em 1280. A dimensão generosa do coro mostra que havia uma previsão de crescimento a longo prazo.

A janela de nascente vista de dentro.


Há sete pares de janelas laterais, a maioria com os vitrais de origem, entre 1289 e 1296, a que se foram adicionando outros até ao séc. XV.
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Vitrais dos séc. XIII e XIV.



Fellow's Quad, o pátio mais nobre.

Em frente, o 'Dining Hall'.

O 'Hall' foi o primeiro edifício do colégio a ser construído, era lá que decorriam as aulas e as refeições (como actualmente). Muitas vezes reconstruído, resta pouco do original.


Translator's Room ou JCR (Junior College Room), uma das salas mais antigas.

Mob quad

O mob quad talvez seja o mais antigo quadrângulo de Oxford, que modelou os seguintes. Era onde se alojavam os estudantes juniores, mais instáveis (mobile vulgus - mob).

Dele faz parte a antiga biblioteca e os arquivos, o coração do colégio durante 600 anos.

A Biblioteca do Mob ocupa duas frentes em esquina do primeiro andar no mob quad. A antiguidade do edifício é bem visível.

A Biblioteca antiga do Merton College - mob library, upper library.


É a mais antiga biblioteca académica do mundo em funcionamento desde a fundação.


A Biblioteca não é muito grande nem imponente - os recursos financeiros eram limitados - mas é íntima e preciosa; instalada em 1373, tem mais de 300 manuscritos medievais.


Os vitrais são uma das maiores riquezas decorativas.



Sala original dos arquivos.

Metafísica de Aristóteles comentada por Averroes (Ibn Rushd). Pertenceu a Richard de Cleanger, 'Fellow' de Merton, 1331.

Os vitrais da biblioteca:
http://www.cvma.ac.uk/jsp/search.do?&sortField=WINDOW_NO&sortDirection=ASC&nextPage=1&rowsPerPage=20


Neogótico vitoriano: St. Albans Quad e os jardins.




Inevitavelmente, cricket.



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Saber mais:
https://www.merton.ox.ac.uk/
https://readtiger.com/wkp/en/Merton_College,_Oxford






Tenho uma certa nostalgia, é verdade, de não ter tido uma vida universitária particularmente gloriosa ou excitante, nem do ponto de vista do ensino, nem no ambiente académico e boémio. Foi tudo um bocado anémico, num país que só há poucos anos vem saindo de uma longa anemia sistémica. Era a mim que cabia a decisão de procurar noutro lado, bem sei, mas acomodei-me. Bem feito, portanto.