domingo, 20 de agosto de 2017

Monteverdi em Edimburgo:
' Nenhuma empresa o Homem enfrenta em vão
Nem contra ele mais se pode armar a Natureza.'


O coral mais belo do Orfeo de Monteverdi, que tive a sorte de assistir no Usher Hall, com o Monteverdi Choir dirigido por John Eliot Gardiner.



Coro di Spiriti Infernali

Nulla impresa per uom si tenta invano
Nè contr’ a lui più sa natura armarse.
Ei de l’instabil piano
Arò gli ondosi campi, e ’l seme sparse
Di sue fatiche, ond’ aurea messe accolse.
Quinci, perchè memoria
Vivesse di sua gloria,
La fama a dir di lui sua lingua sciolse,
Ch’ei pose freno al mar con fragil legno
Che sprezzò d’Austro e d’Aquilon lo sdegno.

               Nenhuma empresa o Homem enfrenta em vão
               Nem contra ele mais se pode armar a Natureza.
               Nas instáveis planuras
               Lavrou os campos ondulantes, e lançou sementes
               Da sua obra, de onde colheu dourada safra.
               Então, que a memória
               Da sua glória possa perdurar,
               A fama dos seus feitos ser por toda a parte dita
               Que ele dominou os mares com frágil nave
               Que desdenhou de Sul e Norte o furor dos ventos.



Esta produção que passou em Edimburgo é a mesma que esteve no La Fenice de Veneza e segue agora para Salzburgo - um triunfo completo, a celebrar os 450 anos de Monteverdi.

O trabalho de palco, sem cenário e com a orquestra a ocupar as alas laterais, conseguiu aproveitar a escadaria do côro, o centro e o corredor da frente e recantos do auditório para teatralizar a acção de forma eficaz, multiplicando os espaços. A iluminação também ajudou, com as sequências no Hades a decorrer na quase escuridão. Imensa sobriedade e contenção nos trajos, na movimentação, no canto e na direcção de orquestra, uma coerência total como seria de esperar em Gardiner, que mereceu um agradecido longo aplauso - ele já é "da casa".



Essa contenção não pejudicou, mas ampliou, a emotividade do canto, investindo todo o dramatismo na expressão corporal. Se as vozes foram perfeitas, saliento uma deslumbrante Esperanza de Kangmin Justin Kim, o formidável Caronte de Gianluca Burato, e o Orfeo de Krystian Adam, cujo 'Possenti Sprito' foi intenso e comovente como deve ser.


A orquestra esteve perfeita na relação - por vezes corporal ! - com os cantores, que mais de uma vez se aproximavam dos músicos para os destacar.

Eu diria que de tudo foi o coro Monteverdi que mais me conquistou; as múltiplas vozes, perfeitas de execução, sabiam transmitir alegria nas celebrações e melancolia  nos desenlaces trágicos.

Mas é a John Eliot Gardiner, um estudioso permanente como Harnoncourt e que como ele dedicou a vida à perfeição na execução de obras anteriores ao séc XX, que cabem todos os louros por esta extraordinária realização. Está ele de parabéns com Monteverdi, lá no Olimpo.



Assim comecei Edimburgo - 2017.

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